Contos

O não e o café, por Josiel Barros

Publicado por Sesc Piauí

Dessa vez será diferente. Como pode Teresa sair outra vez sem mim? Tudo bem das outras cinco vezes; eu ainda não tinha lhe dado um ultimato. Agora é diferente. Moça compromissada em festa sem namorado é picanha em churrascaria.

Não posso aceitar sua imposição, ainda que tenha os olhos aguados e lhe seja forçoso falar. Sabe quando você sente que acabou? Todas suas promessas falharam no instante de suas enunciações. Não vou aceitar aquele jeitinho manhoso de me abraçar nem tampouco seu riso que me ganha sem esforço. Vou enchê-la de “nãos”. Tudo o que disser receberá não como resposta.
Quando escrevia Beijar em Viena sempre é melhor, fiz questão de levá-la ao Velho Continente. Seria uma ótima oportunidade para ela conhecer o legado de Wolfgang Mozart, o rio Danúbio e de nos encarnarmos mais ainda um ao outro; pensei que nada mais seria tão romântico. Poderia ter ido sem ela, mas fiz questão de levá-la. Em tudo tenho me sacrificado. Mas ela não demonstra consideração. Dessa vez há um basta. O não será resposta pronta a suas canalhices.
Estava assim pensando enquanto esperava Pedro, meu taxista de longas datas. Decidi tomar um café. Entrei apressadamente numa cafeteria meio luxuosa; possuía uma prataria muito bem cuidada. Seus mobiliários gozavam de um charme clássico e rústico, eram peças de cedro e couro marrom. Nas paredes uma infinidade de fotografias. Deveria deixar a minha ao sair, caso quisesse. Sentei-me. Um garçom bem postado aproximou-se.
– Um café com panna, por favor.
– Não temos, senhor – Respondeu-me com desconfiança.
– Uhm! Então um mocha!
– Não fazemos também, senhor!
– Então um cappuccino italiano, faça favor!
– Desculpe senhor, mas não temos!
– Então um cappuccino simples mesmo, oras!
– Mas não temos esse também, senhor!
– Como assim? Tem um café latter? Esse tem, né? – Disse desconfiado de que também não era servido ali.
– Não, senhor! Não temos!
O sangue fervilhou; já havia perdido o compasso. Não dava para aturar tantos nãos. “Não!”, “Não tem!”, “Desculpe senhor, mas não fazemos!”, “Não, não conhecemos!”. Não! Não e não! Não pode ser assim. Fiz força e, com o exercício de cavalheiro, arrisquei outra vez:
– Um pingado!
– Bom, senhor, até que conheço, mas não fazemos. O dono disse que não dá lucro. Não vale a pena.
Fiquei a flor da pele.
– Como pode uma cafeteria não entender de café? Agora só falta dizer que não tem café pre…
– E já vou me antecipando que não fazemos café preto.
Não aguentei; fui deselegante; falei altivo:
– Mas afinal de contas, filho de Deus, o que essa cafeteria vende?
– Refrigerante! – Disse-me na lata.
– Como assim? – Achei tudo aquilo um cúmulo.
– Olhe, cidadão, só pode ser uma piada, né? Isso deve ser alguma pegadinha de tevê. É isso?
– Não! Não, senhor!
– Rapaz, numa livraria se vende livro; numa churrascaria se come churrasco; numa papelaria, papel, então numa cafeteria se deve vender café, certo?
– Não! Aqui não, senhor!
– Como não? Você está maluco!
– Não, senhor! O maluco aqui não sou eu.
Nesse momento, disse algo que pôs em cheque meu ego.
– O senhor não sabe ler, não?
Senti-me afrontado.
– Olhe rapaz, você não sabe o que diz!
– Foi você, senhor, que chegou aqui todo fresco, com história de bacana e nem se deu conta que não vendemos café.
– Rapaz, é isso que não entendo. Como é cafeteria se não vende uma mísera xícara de café? – Disse berrando aos seus ouvidos.
O garçom me chama para fora. Pensei “hoje levo uma surra”.
– O que você lê? – Perguntou-me esbaforido.
Nessa hora amarelei. Deus do céu, que vergonha!
– O que você lê? Diga! Vamos!
Contive-me em pedir desculpas. Sai envergonhado a pegar um táxi qualquer.
Cheguei ao portão; Teresa corre ao meu encontro; lança-se ao meu pescoço e me encobre de beijos. Seus olhos marejados e seu riso manhoso não me dizem mais nada, além de “Perdão!”.
– Oi, mô, você está tão pálido. De onde você vem? – Disse acariciando-me o rosto.
– Da bendita Café Teria! – Respondi, aliviando-me. – Deus, era Café Teria! – Disse olhando aos céus.
– Ah, sei!
– Você sabe?
– Sim! Já tomei refrigerante com amigas lá.
Nessa hora, depois de tudo, e diante de seu riso largo e de seus olhos pedintes, o que seria mais prudente? Queimar a língua e impor não aos meus “nãos”! Claro.

Josiel Barros é professor de Língua Portuguesa, Bacharel em Direito e Escritor. 

Sobre o Autor

Sesc Piauí

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