Por Rômulo Maia
Nasceu Isabel do Monte Arrais, mas tornou-se Sinhazinha ao longo da vida. Aos 91 anos, vive sozinha numa casa de chão de tijolos e poucos móveis na Regeneração, zona rural de Pio IX (PI). Cercado pela caatinga cinza e retorcida, o lugar é sombra borrada do que já foi. O furacão do tempo levou pessoas, cores, convivências e histórias. Muito se foi, mas Sinhazinha permaneceu. Apenas ela e seus baús de saudades e lembranças.
O certo é que Sinhazinha tem motivos de sobra para reclamar. Mas, acreditem, ela prefere sorrir. E sorrindo nos recebe com um abraço carinhoso. “Fico tão satisfeita quando recebo a visita do meu povo.”
Escuta pouco, enxerga nada. Uma nevoa pesada caiu-lhe sobre as retinas há uns anos. Por isso usa as mãos magras e macias para examinar as minhas. Alisa as palmas, sente cada dedo – da base até a ponta – e conclui com ar de riso: “E ele tem as mãos pequenas e os dedos curtos. Mão dos Arrais.” São traços que nos aproximam. Somos primos.
Saltando do passado ao presente, a conversa distrai e as horas voam. Já é noite e temos que ir. Ao me despedir, pergunto a Sinhazinha se devo fechar a porta. A resposta, dessas que esquentam o coração, levarei para sempre comigo:
“Não! Dizem que faz mal a visita sair e fechar a porta; a pessoa não volta mais. E eu quero que vocês voltem. Pode deixar aberta.”
Ao modo sertanejo, disse o mesmo que Gonzaguinha na consagrada “Caminhos do Coração”:
“(…)
Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto prá dormir e sonhar
(…)
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
(…)”
Entendi. E prometi sempre voltar.
Saímos deixando a porta escancarada.