Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
– dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Adélia Prado.
Com esse texto marcante e carregado de significado começo este para apresentar Adélia Prado. Se é que há possibilidades de, em poucas linhas, descrever tamanha complexidade de escrita e mulher.
Para além de um poema que dialoga com o “Poema de sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), trata-se de uma escrita com posicionamento, que demonstra sonhos, o modo do eu lírico enxergar a vida e, ao mesmo tempo, as contradições naturais da existência humana.
Adélia Prado, de fato, estava a frente de seu tempo e parecia, com sua escrita carregada de significados, alardear questões sociais e humanas de forma muito direta, porém, respaldada por suas leituras de mundo e literárias.
O livro de estreia da escritora Adélia Prado, sobre o qual iremos tratar aqui, foi publicado em 1976. A obra é dividida em quatro seções, sendo a primeira “O modo poético”, que, como o próprio nome diz, tem diversos poemas; a segunda “Um jeito e amor”, com grandes e excelentes poemas amorosos; e a terceira e quarta seções “A sarça ardente”, que são divididas em parte 1 e 2.
Foi com essa obra que a autora deu as mostras iniciais de seu talento. Os poemas de “Bagagem” apareceram em um período em que Adélia escrevia incessantemente. Apesar de variados, uma vez que abordam temas como o amor carnal, o amor divino, a vocação do poeta, as cores e as dores da vida, os textos possuem uma unidade e foram bastante recomendados, à época, pelo escritor Carlos Drummond de Andrade, de quem Adélia tinha fortes influências.
A escritora brasileira não parou por aí e ganhou todo o país quando recebeu da Câmara Brasileira do Livro, o Prêmio Jabuti de Literatura, com o livro “Coração Disparado”, outra importante obra que merece destaque, mas ficará para outra oportunidade, dada a sua profundidade e vulto.
Nascida em Divinópolis, em Minas Gerais, em 1935, a escritora é filha de João do Prado Filho e de Ana Clotilde Correa. Em 1950, após a morte de sua mãe, escreveu seus primeiros versos. Em 1953 formou-se professora e, posteriormente, formou-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis, no ano de 1973.
Outras obras da autora são:
– Soltem os Cachorros (1979)
– Cacos para um Vitral (1981)
– Terra de Santa Cruz (1981)
– Os Componentes da Banda (1984)
– O Pelicano (1987)
– A Faca no Peito (1988)
– Poesia Reunida (1991)
– O Homem da Mão Seca (1994)
– Duas Horas da Tarde no Brasil (1996)
– Oráculos de Maio (1999)
– Estreia do Monólogo Dona da Casa (2000)
– Quero Minha Mãe (2005)
– A Duração do Dia (2010)
– Miserere (2013)
Sem dúvidas, Adélia Prado é um grande nome da Literatura Brasileira e suas obras merecem ser lidas por você!
Por Camila Maia, Analista em Literatura – Sesc Piauí.